Família Souza

Família Souza
Nosso símbolo de infância

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Fataria de vô Amir




A alfaiataria de vô Amir, mais conhecida e chamada carinhosamente pelos membros da família como Fataria, tinha de tudo um pouco.
Lembro-me que toda tarde depois da aula, eu passava lá, “tomava bença” ao meu avô e logo ia pegando seu espanador de retalhos coloridos, que ele mesmo fez para espanar a poeira. Mas o que eu gostava mesmo de fazer com o espanador, era chegar frente ao espelho comprido que ficava na parede e ao lado da porta dos fundos e colocá-lo na cabeça como a Emília do Sitio do Pica-Pau Amarelo.

E toda vez vô dizia:

- Isso ta sujo menina. Tira da cabeça. – mas eu nem ligava.

Depois de cansar de brincar com o espanador eu mudava de atividade. Pegava a vassoura surrada e velha e ia varrer toda Fataria. Deixava-a um brinco! No meu ponto de vista, claro, mas um brinco!

Acho que eu ficava enrolando só para pedir:

- Vô, me empresta o jogo de dama?

Ele adorava jogar damas e tinha um tabuleiro, com peças de madeira colorida em vermelho e preto e toda tarde, Nozinho, seu compadre, passava por lá e eles jogavam algumas partidinhas.

No verso do tabuleiro de damas tinha um jogo de Ludo, Trilha e Xadrez Chinês. Eu não sabia jogar Ludo, nem Xadrez, mas era um tabuleiro tão colorido que chegava a me encantar!

E vô, sempre prestativo, parava de mexer com seus cortes de calças, pegava um banquinho de palha e subia pra pegar o tabuleiro no alto do armário onde ele guardava os ternos prontos.

Até hoje sinto o cheiro do jogo de damas. Era um cheiro de madeira misturado com guimba de cigarro. Esse cheiro vinha do vício de meu avô e de Nozinho, cujas unhas eram amareladas pelo tabaco. E como os dois jogavam todos os dias, o cheiro se tornou marca registrada das peças de dama.

Como eu não tinha com quem jogar, vô pacientemente, parava suas costuras e vinha jogar comigo até seu companheiro de damas chegar. E eu tomava uma lavada. Jogar com um profissional não é tarefa nada fácil.

E lá íamos nós, passando o restinho de tarde juntos, como avô e neta.

O pezinho de ameixa


Na casa da minha avó materna eu vivi grande parte das minhas aventuras.


Quando as brincadeiras eram de meninas, eu Alice e Luisa sempre imperávamos. Mas em algumas vezes o estresse falava mais alto e sempre tinha uma briga entre a gente. Ou eu e Luisa ficávamos contra Alice, ou eu e Alice ficávamos contra Luisa. Mas nunca as duas contra mim. Não sei se pelo fato de eu ser mais velha ou se eram as duas que se “embicavam” mesmo.


Certa vez, as duas brigaram e Luisa refugiou-se a mim para explorarmos o quintal de vó. Andando de um lado para o outro, sem muita ideia, vi no pequeno pé de ameixa, que ficava com o galho mais cheio de frutos dentro do galinheiro, uma penca amarelinha. Não tive dúvidas e “dei minhas ordens”:
- Luisa, vou subir no pé de ameixa. Fica aí embaixo vigiando pra vô não ver. Não suba! – fui enfática.


Mas sabe como é criança, ainda mais criança levada e doida pra comer ameixa.


Mal subi no franzino pé de ameixa e Luisa já veio subindo atrás de mim. E eu esticava meu braço pra tentar alcançar as ameixas e descer rápido antes que o pé quebrasse, mas não tive tempo.
Aliás, só deu tempo de gritar:
- O galho vai quebraaaaaaaaarrrrr!!!!


E fomos nós duas pro chão, junto com galho e tudo. Restou-nos catar as ameixas.


Mas o pior ainda estava por vir. Lá do outro lado do quintal estava Alice, gritando pra todos os cantos:
- Vô Amiiiiiiirrrrr, as meninas quebraram o pé de ameixa.


Só deu tempo de olhar pra trás e ver vô Amir com sua régua de costura vindo atrás de nós.


E eu gritava:
- Corre Luisa, que vô vai pegar a gente!


E nós duas passamos igual um tiro debaixo da cerca que dividia o quintal de vó com a rua lá de casa. E quanto mais corríamos, mais eu gritava pra corrermos mais. E ainda deu tempo pra arrumarmos um plano e ir para nosso refúgio secreto: a capoeira.


A capoeira é uma mata que existe, aos trancos e barrancos, nos fundos da casa de tia Lena. Toda vez que fazíamos algo de errado, íamos esconder lá. E pra lá fomos com a mão cheia de ameixas. Já planejávamos até passar a noite lá. Comida já tínhamos. Coisas de crianças.


Enquanto comíamos as ameixas, ficávamos vendo todo mundo gritar lá de baixo:
- Sheilaaaaaa, Luisaaaaa... seu avô quer falar com vocês...


E vô andando de um lado para outro no quintal da casa de tia Lena, parecendo furioso por termos quebrado o pezinho de ameixa.


Fomos descer já estava anoitecendo.


Sei que ficamos um bom tempo sem aparecer na casa de vó. Pelo menos até vô esquecer do pezinho de ameixa.


Sheila Souza Vieira

O quintal da casa de Vó Lilia e Vô Amir

A casa dos meus avós sempre foi um mundo de fantasias!


Havia sempre galinhas ciscando quintal, cachorrinhos recém-nascidos, pássaros cantando até quase estourar e muitas, mas muitas árvores frutíferas.



Quando criança, lembro-me bem, toda tarde eu ia pra casa de vó brincar. Que tempo bom e cheio de imaginações! Os pés de manga viravam naves espaciais, castelo de princesa, salão de festas e até esconderijo dos piques - esconde.


Eu me divertia muito!


Era só juntar eu, Fabio, Alice e Luisa e não precisávamos de mais ninguém. Formávamos um quarteto que valia por um batalhão! E vô Amir que o diga! Cansou de correr atrás da gente, naquele imenso quintal, tentando nos dar um corretivo com sua régua de costura. Como aprontávamos e como nos divertíamos!


Lembro que uma vez colocamos fogo na palha seca da bananeira e quase incendiamos todo terreiro. Outra vez, caí dentro do poço de peixe e se não fosse tio Quinquim que tivesse me puxado pelos cabelos, nem sei o que seria de mim!


Mas uma imagem inesquecível que não sai da minha lembrança foi quando tio Dande e tio Nilton nos presentearam com um mini caramanchão que eles deram o nome de “Cabana da Criança”. Eles pintaram com cal e fizeram até jardim. Nós brincávamos de piquenique e de escolinha na tal cabana. Era só pisarmos no quintal da casa de vó que a imaginação ocupava rapidamente o lugar da realidade.


Quantas gangorras fizemos no pé de goiaba, que por sinal, vive até hoje. Já não tem tantas goiabas como antes, mas ainda restam algumas poucas, com brocas.


Ai, que saudades da minha infância, quando juntávamos todos os primos e ajudávamos tio Nilton a construir o Judas para ser queimado no Sábado de Aleluia. Ou quando brincávamos de chicotinho queimado e aí todos iam para a brincadeira: primos, tios, tias, pai, mãe e só parávamos quando vó Lilia gritava lá da porta da cozinha: “A primeira remessa de biscoito de polvilho frito ta pronta, vai chamar seu avó na Fataria!” Fataria era como chamávamos a Alfaiataria de vô Amir. Como é bom lembrar do gosto do biscoito frito de vó. E a turma toda enchia a pança, voltava a brincar e só éramos interrompidos nos intervalos das remessas de biscoito frito.


Ai que saudades das épocas de férias, em que mal o dia amanhecia e já estávamos transformando o quintal de vó em parque de diversões.


Perdi as contas de quantas amarelinhas eu pulei, de quantos piques eu contei e de quantas vezes eu sonhei lembrando-me da minha eterna infância no quintal da casa de vó!



Sheila Souza Vieira