
A alfaiataria de vô Amir, mais conhecida e chamada carinhosamente pelos membros da família como
Fataria, tinha de tudo um pouco.
Lembro-me que toda tarde depois da aula, eu passava lá, “tomava bença” ao meu avô e logo ia pegando seu espanador de retalhos coloridos, que ele mesmo fez para espanar a poeira. Mas o que eu gostava mesmo de fazer com o espanador, era chegar frente ao espelho comprido que ficava na parede e ao lado da porta dos fundos e colocá-lo na cabeça como a Emília do Sitio do Pica-Pau Amarelo.
E toda vez vô dizia:
- Isso ta sujo menina. Tira da cabeça. – mas eu nem ligava.
Depois de cansar de brincar com o espanador eu mudava de atividade. Pegava a vassoura surrada e velha e ia varrer toda Fataria. Deixava-a um brinco! No meu ponto de vista, claro, mas um brinco!
Acho que eu ficava enrolando só para pedir:
- Vô, me empresta o jogo de dama?
Ele adorava jogar damas e tinha um tabuleiro, com peças de madeira colorida em vermelho e preto e toda tarde, Nozinho, seu compadre, passava por lá e eles jogavam algumas partidinhas.
No verso do tabuleiro de damas tinha um jogo de Ludo, Trilha e Xadrez Chinês. Eu não sabia jogar Ludo, nem Xadrez, mas era um tabuleiro tão colorido que chegava a me encantar!
E vô, sempre prestativo, parava de mexer com seus cortes de calças, pegava um banquinho de palha e subia pra pegar o tabuleiro no alto do armário onde ele guardava os ternos prontos.
Até hoje sinto o cheiro do jogo de damas. Era um cheiro de madeira misturado com guimba de cigarro. Esse cheiro vinha do vício de meu avô e de Nozinho, cujas unhas eram amareladas pelo tabaco. E como os dois jogavam todos os dias, o cheiro se tornou marca registrada das peças de dama.
Como eu não tinha com quem jogar, vô pacientemente, parava suas costuras e vinha jogar comigo até seu companheiro de damas chegar. E eu tomava uma lavada. Jogar com um profissional não é tarefa nada fácil.
E lá íamos nós, passando o restinho de tarde juntos, como avô e neta.